Foto: Lourival Ribeiro (SBT) |
por Paulo Ricardo Moreira, publicado originalmente no O DIA ONLINE
Durante aproximadamente uma hora, a educadora Maria Amélia Teles, 66 anos, narrou, diante das câmeras, a dolorosa experiência pela qual passou nos porões da ditadura. O depoimento de Amelinha — presa e torturada pelos militares em 1972 — foi exibido no fim do primeiro capítulo de ‘Amor e Revolução’, do SBT, com pouco mais de três minutos. Mas, apesar de editados, os relatos vêm emocionando o público, trazendo de volta ao debate um episódio triste e cruel da história do Brasil. “É sempre um sofrimento falar de tortura”, diz ela. “Mas acho importante denunciar isso, para que a sociedade tenha conhecimento e tome medidas para prevenir”.
Amelinha ficou presa por um ano no DOI-COD, em São Paulo. Chegou a ser torturada na frente dos filhos, Janaína e Edson Luís, que tinham 5 e 4 anos na época. Para ela, o País ainda tem uma dívida política com a sociedade: “Tem que localizar os corpos dos desaparecidos, para que sejam sepultados. Existe uma sentença da Justiça internacional, mas o Brasil não a cumpre. Isso é muito grave”.
Primeiro jornalista a ser preso logo após o golpe de 1964, o mineiro Jarbas Marques, 67, foi levado à prisão novamente em julho de 1969 depois de entrar para a luta armada. Em seu depoimento de mais de uma hora — quatro minutos no ar —, ele fez chorar as pessoas que assistiam à gravação ao descrever como foi brutalmente torturado no Batalhão de Polícia do Exército, na Tijuca. Durante cinco meses, serviu de cobaia para os torturadores testarem novas técnicas, sendo transferido de um lugar para o outro, no Rio e depois em Brasília. “Sou referência como sobrevivente da tortura no Brasil. Eles me usavam para dar aulas, ensinar a outros soldados como torturar”, conta o jornalista, que levou choques na bolsa escrotal e foi afogado em barris cheios de urina e fezes.
Jarbas frisa que a novela tem enfatizado mais a tortura no pau de arara. “Mas a gente ficava nu. Tinha muita tortura sexual, estupro. Isso não dá para mostrar, é insinuado”, ressalta ele, que hoje é convidado para palestras e seminários sobre Direitos Humanos.
Presidente do Tortura Nunca Mais, a jornalista Rose Nogueira, 65, foi presa um mês após ter dado à luz, em 1969. “Fiquei mal ao dar o depoimento. Para mim, a pior coisa que me aconteceu foi ser obrigada a tomar uma injeção para parar de ter leite”, conta ela, que ficou confinada com a presidenta Dilma Roussefff no presídio Tiradentes antes de ser levada ao Dops, em São Paulo, onde foi torturada. “Tive muito sangramento e não podia tomar banho. Usava papel higiênico como absorvente. Eles riam de mim, me batiam porque eu fedia”, emociona-se.
Amiga do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura em 1975, Rose destaca que a novela tem o mérito de resgatar uma história que muita gente ignorava. “É um ganho enorme para o País saber que isso tudo existiu”, afirma.
Segundo o autor Tiago Santiago, a novela deverá ter 150 depoimentos. O ex-ministro José Dirceu também contou sobre sua prisão, em 1969, e o período em que viveu exilado em Cuba e clandestino no Brasil. “Quando chegamos ao Dops, houve uma sessão de pancadaria, de chutes”, recordou. A produção ainda tenta a presidenta Dilma. “Os depoimentos servirão como arquivo e memória desses anos de grandes perseguições e violências”, diz Tiago Santiago.
DEPOIMENTOS
ROSE NOGUEIRA - presidente do Tortura Nunca Mais,65 anos
DEPOIMENTOS
ROSE NOGUEIRA - presidente do Tortura Nunca Mais,65 anos
“Sofri tortura física, moral e sexual. Apanhei muito. Tive muito sangramento dos 40 dias pós-parto. Usava papel higiênico porque não tinha absorvente. Tive uma infecção e não pude mais ter filhos”
JARBAS MARQUES - jornalista, 67 anos
JARBAS MARQUES - jornalista, 67 anos
“Eles arrancaram meu bigode e minha barba com alicate, botaram esparadrapo na minha boca e aí vinha o torturador e me afogava com um conta-gotas, dizendo uma porção de coisas. Sofri vários experimentos, meu corpo foi usado para aulas de tortura”
MARIA AMÉLIA TELES - educadora, 66 anos
MARIA AMÉLIA TELES - educadora, 66 anos
“Fui torturada a noite toda, nua. Já tinha levado choque no ânus, na vagina, nos seios, no umbigo, nos ouvidos, na boca. Só não levei choque dentro do nariz e dos olhos. Enquanto torturavam a gente, eles foram até a minha casa e buscaram meus filhos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário